Carry Onward Análise: Um Retrato Íntimo do luto nos Games

Carry Onward é um jogo que mergulha fundo nas complexidades emocionais do luto, e é tema desta análise. Na pele de Thomas, um arquiteto que perdeu a esposa em um acidente, o jogador é convidado a explorar não apenas uma casa repleta de memórias, mas também os meandros de uma mente em processo de elaboração da perda.

Desenvolvido para PS5, Nintendo Switch e PC (via Steam), o título combina narrativa sensível e mecânicas simbólicas para criar uma experiência que ressoa além da tela.

Freud, o Luto e a Jornada de Thomas

Logo nos primeiros minutos de Carry Onward, a conexão com a obra de Sigmund Freud “Luto e Melancolia” (1917) se torna inevitável.

Como psicanalista, reconheci na jornada de Thomas uma representação quase literal do que Freud descreve: 

“O luto, via de regra, é a reação à perda de uma pessoa querida ou de uma abstração que esteja no lugar dela, como a pátria, a liberdade, um ideal, etc.”

É exatamente nesse cenário que encontramos Thomas: após perder a esposa em um acidente, ele se vê incapaz de seguir em frente. Sua recusa em entrar no quarto do casal, a dependência do álcool como escape e a imersão obsessiva no trabalho são reflexos do que Freud define como: 

“O luto profundo […] contém o mesmo estado de ânimo doloroso, a perda do interesse pelo mundo externo […] o afastamento de qualquer atividade que não esteja ligada a memória do morto.” 

O jogo não apenas ilustra essa estagnação, mas também explora a “resistência emocional” descrita por Freud: 

“O homem não abandona de bom grado uma posição libidinal, nem mesmo quando um substituto já se lhe acena.”

Thomas, mesmo diante da oportunidade de restaurar o farol (símbolo de um novo começo), hesita — um conflito que Carry Onward traduz com sensibilidade nas escolhas do jogador. 

Gameplay e Escolhas que Moldam a elaboração do luto

A maior parte de Carry Onward se passa na casa que Thomas está prestes a deixar. Interagir com objetos cotidianos — uma foto, um casaco, um projeto de arquitetura — desencadeia reflexões e memórias.

A escolha do jogador influencia diretamente o desfecho da história, com cinco finais possíveis que de alguma forma refletem a singularidade do processo de elaboração do luto.

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Thomas observa a foto da esposa no jardim: um lembrete de que o luto pode abrir espaço para recomeços. (Fonte: Captura de tela do jogo feita pelo autor)

Em uma cena marcante, Thomas encontra uma foto de sua esposa cuidando do jardim — um símbolo de vida em meio ao vazio. A imagem, como o jogo sugere, lembra que ‘cada fim pode ser um caminho para um novo começo.”

Em minha primeira jogada (cerca de 30 minutos), o final surpreendeu pela direção inesperada. Na segunda, as escolhas alinharam-se melhor às minhas expectativas, reforçando como a “elaboração do luto é singular”.

Essa mecânica não apenas aumenta a rejogabilidade, mas também ilustra a complexidade emocional que o tema exige.

Narrativa, Estética e Limitações

O visual estilizado, embora simples, serve bem à proposta introspectiva. A trilha sonora melancólica e a dublagem competente (disponível apenas em inglês) complementam a atmosfera. Pontuo, porém, que os controles desengonçados em certos momentos podem quebrar a imersão, ainda que não comprometam a experiência geral.

Para Quem é Carry Onward?

Recomendo Carry Onward a jogadores que buscam reflexão sobre saúde mental e narrativas densas. Quem espera ação frenética ou desafios complexos deve evitar. Mas para quem se identifica com títulos como The First Tree ou Adios, citados como inspiração pelo desenvolvedor, esta análise reforça: vale cada minuto.

Conclusão da Análise

Carry Onward cumpre sua proposta de ser um “recorte sobre o processo de luto”, usando interatividade para humanizar uma jornada dolorosa. Como Freud descreve em Luto e Melancolia, o processo exige que o enlutado enfrente a “prova de realidade” — aceitar que o objeto amado não existe mais e retirar a libido das ligações com ele. O jogo traduz essa resistência emocional (“o homem não abandona de bom grado uma posição libidional“) nas escolhas ambíguas de Thomas, equilibrando esperança e melancolia.

Se você está em um momento introspectivo ou se interessa por games que exploram a psique humana, esta análise conclui: Carry Onward é uma experiência necessária.

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